Ministro: "O senhor reitor da Universidade do Porto mentiu"

O ministro da Educação, Fernando Alexandre, acusa o reitor da Universidade do Porto, António Sousa Pereira, de “mentir publicamente” sobre o conteúdo da conversa que teve com ele a propósito da polémica em torno do concurso de acesso ao curso de medicina por parte de licenciados naquela instituição — e garantiu que nunca tentou pressionar o reitor no sentido de cometer qualquer ilegalidade. Para o provar, distribuiu aos jornalistas os emails trocados entre o seu gabinete e a Universidade. Segundo o ministro, tudo não passa de um “imbróglio” criado pela própria Universidade do Porto — que o reitor “não teve capacidade de gerir” — e a atuação do Governo foi apenas no sentido de ajudar a resolver o problema.
“O senhor reitor da Universidade do Porto, professor António Sousa Pereira, mentiu. O mais alto representante de uma das mais importantes instituições de educação do nosso país mentiu publicamente sobre uma conversa telefónica com um membro do Governo de Portugal, dizendo que o pressionei a cometer uma ilegalidade”, disse Fernando Alexandre no início de uma conferência de imprensa.
“Esta mentira é altamente ofensiva para a minha pessoa. e não é própria de quem dirige uma instituição na área da Educação, onde temos obrigações redobradas de dar o bom exemplo”, acrescentou.
“Como ministro da Educação, que tanto valor dá à autonomia das instituições de ensino superior, é também uma decepção saber que podemos ter pessoas com este nível de responsabilidade a mentir sem qualquer pudor, procurando dessa forma alijar as suas responsabilidades”, diz ainda Fernando Alexandre, sublinhando que “o senhor reitor da UP saberá cabalmente as razões que o levaram a vir mentir na praça pública”.
“Mas tomo a liberdade de vos apresentar a minha leitura desta mentira. O professor António Sousa Pereira deixou avolumar um imbróglio que em nada dignifica uma instituição tão prestigiada como a UP nem as suas funções de dirigente máximo. A UP, que é dirigida pelo professor António Sousa Pereira, comunicou de forma errada a colocação no Mestrado Integrado de Medicina a 30 candidatos”, acrescenta o governante.
“Ao comunicá-lo, criou nesses candidatos a expectava de poderem vir a frequentar o curso. O Reitor da UP decidiu não homologar a decisão por uma unidade orgânica da sua universidade, com base no incumprimento do regulamento. Esta situação gerou queixas dos candidatos, que chegaram ao Ministério via email”, explicou.
Fernando Alexandre continua relembrando o historial de telefonemas com António Sousa Pereira. “O senhor Reitor da UP telefonou-me no dia 29 de julho, mas, estando a finalizar a reforma orgânica do ministério, que foi a Conselho de Ministros no dia 31 de julho, não pude atender. No dia 31 de agosto, o senhor Reitor da UP voltou a ligar. Não pude atender, mas devolvi a chamada”, sublinhou. “Estas chamadas estão registadas no meu telemóvel.”
“Nessa chamada, manifestei a minha preocupação pelo arrastar de uma situação criada pela própria universidade, dado que foi a UP que informou os candidatos da sua colocação no curso de Medicina. O senhor reitor comunicou-me que essa informação não tinha validade”, contou Fernando Alexandre. “Disse-me na altura: ‘Imagine que o porteiro da reitoria dizia a um estudante que tinha entrado no curso de Medicina. Eu tinha de aceitar?’ Eu rebati, dizendo que a informação terá chegado aos estudantes por uma via oficial, através da Faculdade de Medicina, e que a comparação que o senhor reitor fazia não me parecia adequada. Por isso, tendo sido a UP a informar os candidatos, e tendo gerado neles uma expectativa da entrada no curso de Medicina, e não havendo prejuízo para nenhum estudante, manifestei ao senhor reitor a disponibilidade para aprovar a criação de vagas supranumerárias, caso houvesse suporte legal para essa solução.”
“O senhor reitor da UP, professor António Sousa Pereira, concordou”, frisou ainda. “Assim, requeri através da Secretaria de Estado do Ensino Superior, um parecer à Inspeção Geral da Educação e Ciência, sobre a legalidade desta situação, para o imbróglio criado pela própria UP poder ser resolvido.”
De acordo com Fernando Alexandre, o pedido de parecer foi enviado a 6 de agosto e a resposta foi recebida a 13 de agosto. “O parecer concluía que não existia base legal para a abertura de vagas supranumerárias. Assim, no dia 21 de agosto, após o regresso de férias, a minha chefe de gabinete enviou a conclusão do parecer ao reitor António Sousa Pereira e ao presidente da Faculdade de Medicina, que se havia disponibilizado para uma reunião sobre este assunto em email de 6 de agosto”, lembrou o ministro, que distribuiu aos jornalistas estes emails, bem como o email enviado por uma aluna da UP a denunciar a situação.
Fernando Alexandre citou diretamente a comunicação enviada ao reitor: “O parecer emitido concluiu pela inadmissibilidade jurídica da criação de vagas supranumerárias, por ausência de base legal para tal solução, bem como pelo risco de violação dos princípios de legalidade, igualdade e segurança jurídica. Neste contexto, e face à clareza do enquadramento jurídico expresso no parecer, entendemos que não se justifica a realização de qualquer reunião que tinha sido sugerida pelo diretor da Faculdade de Medicina.”
“Feito este esclarecimento, penso que fica claro que qualquer sugestão de que pressionei o reitor da Universidade do Porto não tem fundamento. Lamento uma vez mais que o mais alto dirigente de uma das mais prestigiadas instituições do nosso sistema educativo tenha mentido e posto em causa o meu bom nome, o que não posso admitir”, sublinhou ainda.
Depois da declaração, Fernando Alexandre respondeu a um conjunto de perguntas dos jornalistas, assegurando que não teve conhecimento dos contornos do processo — incluindo da decisão de baixar a nota mínima de entrada a meio do concurso — e que a sua intervenção na matéria aconteceu sempre em resposta aos contactos que recebeu. “O único conhecimento que tive foi através de emails que me chegaram. Não tive informação nenhuma sobre o processo”, disse, acrescentando que não teve “sequer curiosidade” em ver o regulamento do concurso, já que se trata de uma matéria da autonomia da UP.
“Eu telefonei ao senhor reitor da UP para devolver uma chamada e falámos sobre isto”, sublinhou, destacando que “os estudantes criaram uma expectativa” com a comunicação formal que receberam. Fernando Alexandre destacou ainda que não sabe como é que a questão se pode resolver juridicamente e que, quando sugeriu a abertura de vagas supranumerárias queria apenas “ajudar a resolver” um “imbróglio criado pela UP que o reitor da UP não teve capacidade de gerir”. Fernando Alexandre acrescentou ainda: “Dizer que eu lhe liguei por causa disso é uma mentira.”
“Não havendo enquadramento legal, cada um deles [alunos] decidirá. Poderá seguir as vias do tribunal. Penso que há uma responsabilidade muito grande da UP em dar uma solução ao problema porque criou uma expectativa. Não foi uma informação informal. Foi uma informação da Faculdade de Medicina”, sublinhou. “Eu disse ao senhor reitor que se houve um abuso de alguém da Faculdade de Medicina, ao ter enviado esta informação sem ter sido homologada pelo reitor, eu disse-lhe que ele tem de tirar responsabilidades disso. Alguém dentro da Faculdade de Medicina, de facto, agiu mal.”
Em causa está uma controvérsia vinda a público na quinta-feira, por via do jornal Expresso, com o reitor da UP a denunciar supostas pressões para admitir candidatos sem nota mínima no concurso de acesso ao curso de Medicina por parte de pessoas já licenciadas — um concurso especial que segue regras internas da Faculdade de Medicina. Este concurso incluía 37 vagas, mas, dos 50 candidatos, apenas sete tiveram 14 ou mais valores numa prova especial de acesso. A comissão de seleção decidiu baixar para 10 a nota mínima, o que permitiu a entrada de mais 30 alunos, que foram notificados da sua entrada no curso sem que o reitor fosse informado. Porém, o reitor decidiu não homologar a lista de admissões, deixando vários estudantes numa situação de incerteza — que denunciaram o caso ao Governo.
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